Reportagem MARCELO NINIOENVIADO ESPECIAL À FAIXA DE GAZA
Com um punhado de cravos brancos numa das mãos e as bandeiras da Palestina e do Qatar na outra, Mohamad, 13, aguardava agitado a visita mais importante de sua vida à faixa de Gaza.
Por algumas horas, a presença do emir do Qatar, Hamad bin Khalifa al Thani, deu ontem aos moradores de Gaza a sensação de que o longo isolamento internacional pode estar perto do fim.
"O mundo esqueceu Gaza, por isso é tão bom receber alguém importante como o emir", disse Mohamad, enfileirado com colegas de sua turma de escoteiros.
A mobilização levou milhares de pessoas às ruas para a primeira visita de um chefe de Estado desde que o grupo islâmico Hamas assumiu o controle da faixa de Gaza, em 2007, levando Israel a impor um bloqueio ao território palestino no litoral.
Al Thani foi recebido como herói pelos dirigentes do Hamas, agradecidos com a doação de R$ 800 milhões para projetos em Gaza, mas sobretudo pelo raro carimbo de legitimidade internacional concedido ao grupo islâmico.
"Hoje nós declaramos a vitória sobre o bloqueio com essa histórica visita", discursou o premiê Ismail Haniyeh, numa área que até 2005 era ocupada por assentamentos israelenses e onde será construída uma nova cidade com o dinheiro qatari.
Wissam Nassar/AFP | ||
O emir do Qatar, Hamad bin Khalifa al Thani (centro), e o premiê Ismail Haniyeh (Hamas) erguem as mãos, em Gaza |
A visita também ressaltou a hiperatividade diplomática do Qatar nos últimos anos.
Com menos de 2 milhões de habitantes e uma das maiores reservas de gás natural do mundo, o pequeno emirado árabe espalha sua influência regional, valendo-se da poderosa rede de TV Al Jazeera e com intenções nem sempre claras.
Mas o momento de glória do Hamas não foi comemorado por todos. Para muitos em Gaza, a visita aprofunda a divisão palestina ao oficializar o reconhecimento do influente emirado ao grupo islâmico, a despeito dos protestos do rival secular, Fatah, que controla a Cisjordânia.
Após entrar pela fronteira com o Egito, a comitiva de mais de 50 pessoas seguiu um périplo cercado de forte segurança pelos projetos financiados pelo emir. Além da nova cidade, um hospital e a reconstrução de estradas.
A generosidade foi vista com desconfiança pelos opositores do Hamas. Em Ramallah, a liderança do Fatah exortou os moradores de Gaza a boicotar a visita.
ISRAEL
Israel também disparou críticas, acusando o emir de abraçar um grupo terrorista. O governo americano, aliado do Qatar, chamou a atenção para o "papel desestabilizador" do Hamas na região.
"O Qatar tem um plano oculto, que é enfraquecer o Fatah", acusou a professora de inglês Halla Alfasadi, 22, que aderiu ao boicote. "Eternizam o Estado do Hamas e matam o Estado palestino".
Na Universidade Islâmica, o emir condenou os constantes bombardeios israelenses, mas ressaltou que a divisão palestina é mais nociva que qualquer guerra: "É hora de colocar fim às diferenças".
Após seguidas tentativas de acordo entre Fatah e Hamas, poucos acreditam na reconciliação. "Já que um acordo é impossível, pelo menos o dinheiro do Qatar ajudará a criar empregos, nossa maior urgência em Gaza", disse o engenheiro Abu Ahmad.
Fonte Folha de São Paulo 24/10/2012.
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